05 agosto, 2008

Encontro marcado

Calei-me.
Eu me recuso a escutar o que você tem a me dizer. De nada adiantou; a seguir um depoimento de alguém que eu nem sei se existe. Achei isso uma brincadeira de mau gosto.

- Você é mais capaz de se fazer amada do que de amar. Sua lógica é irresistível, mas impiedosa, irritante. Sua compreensão do mundo, da vida e das coisas é surpreendente, seu olho clínico é infalível, mas voce é uma garota refreada, está sempre na defensiva – risos -, tem uma aura de pureza não conspurcada, porém é ascética demais, aprimorada demais. Não se contamina nunca, e isso humilha todo mundo – pausa para analisar a poeira que caminhava entre seus pés -, só que ao mesmo tempo não tem como não se prender ao seu olhar, intenso. Voce é um poço de contradições. Chego a acreditar que não há sensibilidade capaz de dar conta dessa tonelada de sensualismo. Tudo em voce é ostensivo. Mas, não posso esquecer de dizer a sua capacidade de amar anonimamente, sem pedir nada em troca, sem reconhecimento, sem perdão. – Ele estava buscando o meu olhar, eu o escondia. Como ele podia falar essas coisas? Continuou com um falso sorriso exuberado.
Dá-me medo o fato de pensar que pra sempre voce irá permanecer intocada, pensar que voce nunca vai superar esse horror ao compromisso, porque voce se julga uma comprometida com a dor, tem uma missão a cumprir, é uma escritora. Voce se torna extremamente forte quando justo lhe falta os braços, sua simpatia azeda e seu sorriso encantador, mas é cheia de arestas que ferem sem querer. Seu ar de quem está sempre indo a um lugar que não é aqui, para se encontrar com alguém que não sou eu. Seu desprezo involuntário, sua inteligência incomoda, seus argumentos até mesmo para o silêncio. Esse orgulho. – Eu queria sair correndo, mas ele estava me prendendo. Fechei os olhos. Ele buscou ar como se buscasse a si mesmo. Continuou... - Você é seu orgulho. Torna-se miserável, talvez desgraçada, porque se acha incapaz de ser feliz e amar sem renuncias, pelo orgulho, ou pela solidão, pelo medo.
Então eu falei:
- Voce é masoquista. Não sabe de nada – ou quase nada -, vou continuar largada, desesperada, desarvorada... Seu depoimento a meu respeito é menos interessante do que minhas próprias constatações. – pela primeira vez fingi que o encarava.
- Você é um demônio. – Seus olhos brilhavam, eu por algum momento queria que ele fosse real.
- Concordo – lancei um sorriso diabólico -, perto de mim o Diabo é bebê de colo.
- Eu te amo. – ele suspirou, seu tom era de alivio.
- Já eu acho uma perda de tempo me amar. – soltei meu cabelo e virei as costas.
- Perda de tempo é voce não deixar eu te amar absurdamente! – ele gritava, e sua voz cada vez mais distante; assim como eu.

15 comentários :

Willian disse...

talvez algumas verdades doem!

Silence disse...

Obrigado.
Tb gosto do que escreves :)

Parabéns!

Luara Quaresma disse...

Doem e maltratam; enquanto a mentira mata.

Henrique Monteiro Alive disse...

Tu eras tudo para ele, mas se tornaria nada, talvez.
E ele, chegou a ser algo?



Belas palavras. Mesmo.

Padma Norbu disse...

A verdade verdadeira, aquela que é última e insuperável liberta, alivia e elimina o sofrimento. Mas verdades relativas não passam de mentiras disfarçadas...

A mente das pessoas são no mínimo engraçadas. Definimos, criamos conceitos pessoais para nos sentir seguros diante da "realidade", mas a Realidade mesmo não conseguimos tocar.

Não posso deixar de advertir que minhas palavras não passam de mentiras disfarçadas...

Luara Quaresma disse...

Algo que não pude evitar.

Anônimo disse...

Para amar, a gente tem que deixar a armadura do lado de fora da porta. Gostei dos teus textos, muito bons. Beijo!

Luara Quaresma disse...

Não é armadura, a trato como casca.

Luara Quaresma disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carolina disse...

Nossa, arrasou com este texto!
Belas palavras...
Tu sabe que às vezes as palavras são espelhos?

carolina bertelli disse...

gosto do jeito como você escreve as coisas, às vezes parece confusa nas palavras, mas completamente ciente do que quer dizer.
estava vendo os primeiros posts e achei aquele link pra calcular o arcano. adorei aquilo!

discordo do ricardo. quando a gente se entrega, a gente morre. e depois se reconstrói, porém, faltando pedaços.
o problema é saber quantas vezes a gente pode morrer por dentro até desintegrar completamente. chamo a casca, ou armadura, de minha cápsula protetora. é nela que escondo meus medos e fraquezas.

Willian disse...

Então.. tô na espera heim...
Vou escrever tbm...

BJosss

Maquinaria de Linguagem disse...

Minha querida, escrevinhadora que silencia de vez em quando, nenhuma lógia é irresitível, exceto quando nos cega. Seu texto transcende esse silêncio. Gostei deste instante, do momento, que quando li, você escreveu.

Lucas Castello Branco disse...

Muito lindo.

Anônimo disse...

isso sim é que é uma declaração de amor! a verdade acima de tudo é um verdadeiro sinal de que nada mais importa além do amor que sentimos.

Adorei como sempre garota!