23 junho, 2010

Ponto de encontro

A chuva havia chegado adiantada, gosto quando cai água – pelo menos não preciso inventar justificativas para ficar em casa. Os dias demoram tanto para passar e a noite foge para eu ter que acordar. Estou naqueles dias que a vontade é dormir a eternidade, eu sei para onde caminham esses dias e eu não quero estar lá. Parece que eu estou me tornando imprópria ao convívio humano. Não consigo ir até onde minha vã memória tenta me levar. Não acho o ponto onde tudo mudou. E tudo mudou muito, eu mudei muito, as pessoas, as coisas tudo mudaram e eu não consigo achar o começo. Queria que tudo fosse como antes. Queria realmente acreditar nas pessoas, realmente amar as pessoas, sentir realmente tudo que um dia eu fui capaz. Os meus dias são uma sucessão de perda. Perda de mais um dia que poderia viver. Perda de muitos fios de cabelo.
É como se todas as coisas à minha volta brincassem com o que dói em mim, como se já não bastasse a dor da história, o mundo joga com o que eu ainda consigo fazer.

Não espero grandes acontecimentos, nem que um cordeiro de Deus venha me salvar. Não preciso ser salva. Só não quero mais a falta. Eu sempre enfrentei os meus sentimentos. Errei e acertei com minhas próprias vontades. Enfrentei o convencional e já fiz tudo ao contrário porque quis. Já me deixei levar. E já resolvi parar de uma vez. Já acreditei no tempo e ridicularizei a substituição. Eu tinha jogado fora todas as minhas respostas. Substituído a falta por presenças enormes. E se hoje as palavras são poucas, é porque tudo é feito no silêncio. Por mais que eu finja bem, a falta existe, viram sonhos.
A chuva esta cada vez mais forte, poderia acreditar que ela está me chamando.

Já tava tudo quieto e no leito quando a minha janela desesperada começou a bater. Talvez se eu fosse até lá fechá-la todos os meus pensamentos ficariam trancados do lado de fora, pegando chuva e morrendo de pneumonia. Ah, como seria divertido.
Precisei levantar, meu quarto acabaria encharcado pela chuva que não havia sido convidada a entrar. Foi quando me aproximei da janela que o vi. A sua sombra delicadamente era projetada pelos postes de luz, ele estava no meio da rua escura e silenciosa, tão sozinho quanto eu. Mas, diferente de mim ele parecia aliviado, até mesmo feliz. Ele caminhava pela chuva sem se preocupar em desviar dos pingos que o atropelavam. Me aproximei mais da janela. Seu olhar estava estacionado em algum pedaço do céu, era como se ele não estivesse lá.
Sua fisionomia era bruta, talvez ele fosse só um ou dois anos mais velho que eu, usava uma calça jeans, uma camiseta que me pareceu vermelha e uma jaqueta. Ele tinha um relógio de prata também. Seu jeito de querer a chuva me fez tremer. Foi quando ele me viu parada na janela, quando ele encontrou meu olhar que me perdi.

Já não sabia se via seu rosto ou sua alma. Ele me encarava sem respirar. As pessoas se entregam pelos olhos, é onde você se mostra por inteiro. Eu estava me entregando a ele. Tinha os olhos escuros e brilhantes, e aquela fome, incapaz de engolir qualquer coisa.
Era impossível baixar meus olhos, tudo que em mim se anunciava rude nele se mostrava doce. Sua boca começou a esboçar um sorriso torto, eu não consegui encontrar minha voz, preciso gritar para ele, mas seus olhos mudos calaram minha fala. Eu nunca acreditei em ponto final, acredito em ponto de encontro.
Minhas pernas num impulso desgovernado começaram a se mexer, só consegui suplicar em um suspiro que ele não se movesse de onde estava. Minhas pernas estavam me arrastando, e eu estava deixando, sabia exatamente para onde estavam me levando.

18 comentários :

Anônimo disse...

muito bom!

A DAMA DE NEGRO disse...

São nessas horas que dá um vontade de sair e perguntar o que faz daquela pessoa tão comum uma pessoa tão diferente de nós não?

J.G. disse...

uau

Sαbrinα Frehí disse...

nossa, tãao único.
a gente muda, mas pra nos proteger. porque no fundo a gente sempre permanece a mesma pessoa sempre.
como você eu um dia percebi que mudei, que ja nao acreditava em todo mundo, e nem amava. mas já vivi momentos como estes, que me mostraram que não mudei apenas me guardei.

muiito bom seu texto (:

biazinha disse...

Gosto do texto !

Priscila disse...

não sei nem como explicar tudo que sinto quando estou lendo tudo que vc escreve...vc é um gênio.. (PRI)

rosineide disse...

cara, que texto bom, lindo e misturado com uma musica de norah jones que estou escutando, ficou ainda mais perfeito. So faltava esta chovendo.

"Minhas pernas estavam me arrastando, e eu estava deixando, sabia exatamente para onde estavam me levando."

muito bom, muito bom. :*

Pamela disse...

menina, muito lindo seu texto sabe? e misturado com a musica de norah jones que estou escutando ficou mais perfeito *-* que é isso! So faltou estar chovendo... muito bom!

"Minhas pernas estavam me arrastando, e eu estava deixando, sabia exatamente para onde estavam me levando." *-*
:******

Anônimo disse...

gosto de como você brinca com as palavras e os sentidos dela. antes de o rapaz aparecer é quando mais gosto do texto. sobre "acreditar em ponto de encontro", é lindo saber a origem disso. me sinto conhecedor do mundo, quando vejo a sua literatura usando uma coisinha minima de outra pessoa que também acredito. é como se eu fosse o dono de um segredo. e em poesia, isso é lindo.

continuo aqui, sempre lendo.

Joinha disse...

Chuva, doce chuva, por aqui ela anda levando e trazendo como ondas no mar meus dias! :)

gabi disse...

denso.
nunca encontrei o blog assim, sempre tão leve, tão curtinho... (:

Eduardo Trindade disse...

Curioso é que hoje mesmo escrevi uma crônica em que a chuva exerce um papel importante. Mar, rio, chuva, tudo que é água soa tão fascinante para mim...
Abraços!

CANAL STEAMPUNK disse...

Tudo sempre começa a descorrer de forma intensa a ser, e quando vemos, já se foi

mateus f disse...

minha escritora preferida <3

alexcdm80.blogspot.com disse...

Uma pessoa com uma personalidade forte, com uma alma bela e com inspirar de sentimento incrivel.

Parabéns!!!

Se na vida existe como criar um sentimento e alimentar os sonho numa proporção que a cada fato vira um pulsar rumo ao amor.

Alex Quintino

Anônimo disse...

Passei anos longe dos blogs, resolvi voltar... E achei o teu!
Muito bom tudo isso aqui, muito mesmo... Teu post anterior me tocou. Até porq saudade foi o motivo que me fez voltar a escrever!

Passa lá no meu, conhece meus pensamentos antigos, e tenta sentir os novos(até agora um), hehe..

;)

KAROLINE disse...

lindo lindo *---*

Lara M disse...

Lindo texto!!Você realmente não escreve...Sente!E faz os leitores sentirem também!!Amei o blog...Parabéns pelo seu talento maravilhoso!