11 julho, 2008

Entrevista com Clarice

No programa de hoje iremos conversar com Clarice Lispector, a grande escritora e poeta, que nos proporcionou uma vasta coleção de intensos pensamentos.

Luara - Tenho que confessar que estou realmente honrada e extremamente lisonjeada com a presença da senhora em meu programa essa noite. Sou uma grande fã sua.
Clarice – “Divertir os outros, um dos modos mais emocionantes de existir”.

L - Como você definiria a mulher Clarice Lispector?
C - '‘... Sou como você me vê... Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, Depende de quando e como você me vê passar... ''

L – Mas, quem realmente é você?
C – (risos) “É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo."

L – E por que você escreve?
C – “Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse sempre à novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.” – “Escrevo para me manter viva.”

L – Por que essa certeza?
C – “Talvez a pergunta vazia fosse apenas para que um dia alguém não viesse a dizer que ela nem ao menos havia perguntado. Por falta de quem lhe respondesse ela mesma parecia se ter respondido: é assim porque é assim”.

L – Como é para você esse misterioso ato de escrever?
C - "Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro...”.

L - E sobre a solidão, que é tão presente em suas palavras?
C – “Minha força está na solidão.”.

L – E ela não te incomoda?
C – “
E ninguém é eu, e ninguém é você. Esta é a solidão”.

L – A partir disto surge seu silêncio?
C – “Há um silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras”.

L - E o amor?
C- “Quando se ama não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós...”.

L – Sobre a saudade?
C – “Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida...”

L – Você pode definir o quanto a sente?
C – “Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la”.

L – Como a Clarice de hoje vê a Clarice aos 15 anos?
C – “O que obviamente não presta sempre me interessou muito”. – “E se me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar”.

L – E a Clarice de hoje?
C – “Com todo perdão da palavra, eu sou um mistério para mim”.

L – Você acredita em Deus?
C – “Eu já começara a adivinhar que Ele me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.”

L - Apesar desse sofrimento você foi feliz?
C-
"E umas das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi criadora de minha própria vida".

L – Suas palavras são músicas sem melodias. Fale um pouco do seu método de trabalho.
C – “É preciso coragem. Uma coragem danada. Muita coragem é o que eu preciso. Sinto-me tão desamparada, preciso tanto de proteção... Porque parece que sou portadora de uma coisa muito pesada. Sei lá porque escrevo! Que fatalidade é esta?”.

L – Você define sua profissão como vocação ou talento?
C – “Vocação é diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento, isto é, pode-se ser chamado e não saber como ir”.

L – Você se interessa pela reação que seus livros provocam nos leitores?
C – “Eu fico muito contente quando as pessoas chegam perto de mim e dizem que me entenderam. Ainda que seja uma compreensão que não se possa ser expressa por palavras. Mas que seja aquilo que eu chamo de compreensão por osmose, que passa de pele pra pele”.

L – E é difícil entende-la?
C – “Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato, a questão é... Ou toca, ou não toca”.

L – Muitos escritores da nova geração a vêem como inspiração. O que pensa sobre isso?
C – "
A palavra é o meu domínio sobre o mundo."

L – Já faz 31 anos que você nos deixou. O que é a morte para você?
C – “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome”.

L – Você se arrepende de algo que fez ou deixou de fazer em vida?
C – “Estava permanentemente ocupada em querer e não querer ser o que eu era, não me decidia por qual de mim, toda é que não podia ser; ter nascido era cheio de erros a corrigir. Só tinha tempo de crescer. O que eu fazia para todos os lados, com uma falta de graça que mais parecia o resultado de um erro de cálculo. Na minha pressa eu crescia sem saber pra onde”.

L - Agradeço sua presença aqui hoje, que fique aqui minha total admiração por você. Realmente nem acredito que foi possível conseguir a liberação do ‘Todo Poderoso’ para você poder dar a entrevista.
C – “Ela acreditava em anjos, e por ela acreditar eles existiam”.

L – Ficamos por aqui, e quem sabe no próximo programa Dercy Gonçalves será nossa convidada, isso se ela não me interrar primeiro.

*Aplausos*

28 comentários :

Tannatos disse...

Se for um elogio, eu agradeço, se for uma irônia agradeço mais ainda.

Luara Quaresma disse...

Por que as pessoas sempre acham que o tudo o que eu digo é ironia? (:

Tannatos disse...

É uma pena. Mas eu chamo isso de complexo do ironismo. A medida que você se faz exageradamente da ironia, acaba a enxergando em todo lugar.

wendell penedo disse...

obrigado (:

Tannatos disse...

Uma divertida patologia, valendo ressaltar isso. Mas falo isso ao ponto de vista de um sádico como eu.

Dois pontos e uma conversa em comentários de blog. Experiência nova e interessante.

Leandro Lima disse...

Muito Perfeita a escrita e descrição de uma nova criação da interação sobre a abolição de uma solidão sem um ser são... xD
aUHhauhuaahuhauahu

Bom Muito Bom Nota Mil, e me senti na presença de vocês duas...

o/

Beijos!

Maquinaria de Linguagem disse...

Olá, gostei da entrevista, da presença que aparece nela e lembrei da "pre-sença" em Heidegger, a existência, dasein. Essa exterioridade da palavra, do ser indo no tempo, em C. Lispector para a compreensão dos diálogos. Noutro sentido, você tece o diálogo para não parar de escrever, porque se parar o tempo poderá te roubar o ar da imaginação e termir com essas entrevistas inusitadas. Bom vinho e bom sábado.

Luara Quaresma disse...

Não gosto de vinho.

Heduardo Kiesse disse...

Gostei!

Gaby disse...

nossa obrigada,eu tô com muitas estorias pra digitar e postar então te convido diariamente a lê-las se for possivel

ah,e muito obrigada mesmo

Tannatos disse...

Não existe bom senso para o uso do sarcasmo. É habilidade para poucos, aqueles que abrem mão do nilismo empregam isso da maneira mais viável possível.

e-Chaine disse...

Ironia, Sarcasmo.. Enfim!
Ruim seria, se vc não soubesse utilizá-los na hora e no momento certos.

Abração.

Luara Quaresma disse...

É, Maicom. É disso que estou falando!

Unknown disse...

"Suspeitei desde o princípio!"

Abração.

Tiagho Diniz. disse...

Vim retribuir a visita e comentario feitos por você... eis que a surpresa me abateu, gostei do seu blog, inclusive... inclusive esse post sobre a Clarice.

Espero que você volte, é bem vinda.


Parabens,

Beijo.

Maquinaria de Linguagem disse...

Tá certo. Boa cerveja, água, boa semana.

Luara Quaresma disse...

Que tal suco de abacaxi com hortelã?

Maquinaria de Linguagem disse...

Maravilhoso...boa pedida.

Carla Said disse...

desculpa o palavrão, mas todo poeta precisa extravazer de alguma forma... P*** QUE PA***, adorei a entrevista que fizeste. não achei que foi irônico, ao contrário, achei de uma perfeita simetria o que fizeste, a "rima" entre frases da própria com suas perguntas. De muito bom gosto. Parabéns!


" Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse sempre à novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.” – “Escrevo para me manter viva.”"

Fantástico!

Luara Quaresma disse...

Sobre o sarcasmo não estava sendo refirido ao texto (:

Tannatos disse...

Sarcasmo viável não é sarcasmo. Assim como comprar pão muitas vezes também não é. ;D

Ígor Andrade disse...

Gostaria de ler a Clarice te entrevistando...

teca disse...

putz! achei insano isso!!
cada dia me surpeendo mais com os seus textos, mas confesso q esse foi o mais criativo q li até agora!



beeeeijo

Willian disse...

De verdade??

A estrevista era com a Clarisse ou com você?

Olha que agora faltou palavras, sinceramente mesmo, pra dizer o quanto gostei.

Acho que posso dizer que foi o que mais gostei de todos que já li que vc escreveu...



Parabêns

Cláudia Mescouto disse...

Lispector é para ser sentida. E, tal sentimento, muitas vezes, dispensa comentários...
Salve!

nellloveless. disse...

ficou muito legal. sério. apesar de eu estar meio por fora do papo que esta rolando ai nos coments. só quero dizer que ficou lindo. perfeito. sem palavras. sério. se isso fosse obra minha, eu ficaria orgulhosa de mim mesma. <3

Jessica França disse...

Me senti na plateia ♥

Anônimo disse...

Adorei!!!!! ps: você escreveu Clarice com 'ss' numa parte rs :S