22 agosto, 2008

O muro


Em um lugar que não importa havia uma bailarina. Ela era singular de tudo que você acha que já viu, ou de tudo que você acredita que sentiu. Alguém sozinha e frágil, de olhos brilhantes que se alegravam em caçar rabiscos nas nuvens, e dançar sob o vento. Tudo ao seu redor era cinza, delicadamente cinza. Quando ela dançava esquecia todo o abandono, o mundo se calava. Tudo o que ela escutava era uma canção, qualquer uma.
A pequena sentia dor, não costumava ralar o joelho, embora o que doía nem ao menos sangrava. Era todo o vácuo que preenchia seu peito. Ela não conhecia ninguém, estava presa e acostumada com tudo isso. Acostumada a não ter coração.
Tempos atrás ela mesma fez sua prisão, um grande e forte muro construído com todos seus medos e mágoas. Não sei como ela conseguiu apesar de tudo, mas seu mundo não girava; ele embalava a bailarina e ela dormia com a esperança de nunca mais precisar abrir os olhos.

Em um dia lilás – dias lilás são os mais legais depois dos dias laranja -, a bailarina acorda com o barulho das estrelas que brincavam de se esconder atrás do sol, ela acordou triste e seus olhos derramavam lágrimas de chocolate, quando de repente um principezinho que passava por ali a ouviu chorar.
O amor nasce de quase nada, morre de quase tudo.

Ele gritou pro outro lado do muro como se esperasse um copo d’agua no meio do deserto, queria saber quem chorava. Silêncio. Nenhuma resposta:

- Por favor, não tenha medo. Vamos, me diga.
Silêncio.

- Eu não te farei nenhum mal – ele fazia gestos e ficou na ponta dos pés como se pudesse ajudá-lo a construir alguma relação bilateral –, eu tenho algumas jujubas. – humanos, sempre apelam para a soberba.
Silêncio.

- Vá embora e me deixe em paz – os soluços quase a impediram de gritar.

- Não chore, está tudo bem. – ele dava pulos fracassados contra o muro – Eu estou aqui.

- E o que me importa, você não estava antes.

- Estou agora.

- E não estará depois! (!!)
Silêncio. O dia mudou de cor, ficou amarelo.

O principezinho tentou colocar o ouvido mais próximo de uma pedra no formato de um chapéu, não escutou nenhum detalhe. Vasculho o muro por uma brecha entre as pedras. Nada encontrou.
Ele era alguém tão só quanto ela, porém tinha coração, mas sentia a mesma dor. A bailarina sonhava no dia que poderia fugir dali e ir à busca do seu. Ou quem sabe comprar um no mercado negro. O comercio de órgãos está em alta.

- Já disse, sai daqui e pare de me jogar suas palavras – ela já podia sentir a intensidade do principezinho.

- Não vou embora. – disse ele.
O principezinho de fato tinha muita coragem e prometeu para a bailarina que faria qualquer coisa para tirá-la dali. Ela já não acreditava em mais ninguém.

- Não fale besteira – a sua voz estava baixinha, a bailarina queria que dessa vez fosse diferente. Mas, por que haveria de ser? – outros antes de voce já tentaram. Mais fortes, mais inteligentes, mais altos... Todos fracassaram. Eu mesma já tentei escalar esse muro, acabei desistindo no meio do caminho por não saber mais a onde apoiar meus pés. – Agora ele desistira, argumentos não sustentam os fatos.

- Você me subestima. – ele sorriu -, eu sou a exceção.

- E me diga, da onde voce tira tal pretensão?

- Todos os outros que tentaram, desistiram porque não era eu – e então o leão se apaixonou pelo cordeiro-, porque só eu tenho o seu coração.
Silêncio.A bailarina não podia acreditar.

- E como você sabe que esse coração me pertence?

- Porque eu o encontrei em uma possa qualquer e levo desde então no bolso, e hoje quando passava por aqui ele começou a pulsar, e me trouxe até você.

O principezinho não iria desistir.

- Eu não vou te abandonar – e dizendo isso ele a fez sorrir.

O principezinho queria conquistar o mundo, enquanto a bailarina fugir dele. E apesar de toda sua valentia e amor, de veras o muro era muito alto. Impossível para o principezinho escalar ou tentar derrubar, então fez uma promessa: todo dia iria até o muro e cantaria para a bailarina poder dançar. Todo dia ele atiraria uma rosa para o outro lado do muro para ela saber que ele estava ali. E apesar de tão distantes, juntos esperariam até o dia que o principezinho fosse grande o suficiente para chegar ao outro lado.

- Você só precisa confiar em mim – dizia ele com a voz incrivelmente doce.

De um lado ela, do outro ele. Entre os dois um muro cruel. E mesmo que o mundo estivesse entre eles, nada poderia detê-los. E nada fará a bailarina esquecer o quanto o principezinho a fez sorrir.

- Eu vou te esperar o tempo que for. – disse por fim a bailarina, desejando mais que tudo estar nos braços dele.

O dia mudou para sua cor favorita.

19 comentários :

Unknown disse...

nossaaaaaa!!
adorei! mto bom!!! vc escreveu com um carinho muito peculiar essa história, esse conto, não sei... adorei msm! ficou mto bem escrito!

bjsss

Carolina disse...

Muito bom o texto! Gostp um monte da tua escrita densa, quase palpável.
O que falaste lá no meu blog tem TUDO A VER!!!
Sintetizou todas: é verdade não basta escrever, quem não passou pelo céu e o inferno dos sentimentos, quem ainda não andou na corda bamba, pelo fio tênue, pelo fio da navalha, pela adaga afiada das emoções que rolam no cotidiano da inexplicável vida. Quem vive somente no raso, somente escreve, não conta com a sensação como parceira na escrita.É preciso viver a vida!
bjos e bom findi

Henrique Monteiro disse...

Que bom que me adicionou na lista de links. :D
Eu já tenho você na minha há bastante tempo, rs.

Henrique Monteiro disse...

Que belo conto. Tão simples e meigo.
A forma como tu destaca as cores fez eu me lembrar dA Morte, a narradora do livro A Menina que Roubava Livros. Ela também percebe bem as cores.

Realmente lindo. Os diálogos tão inocentes e puros. E tem uma frase que simplesmente diz tudo ""O amor nasce de quase nada, morre de quase tudo".
Concordo plenamente.


Um beijo.


p.s.: querida, tu usa Orkut?

Luara Quaresma disse...

'Primero as cores, depois os humanos' :]

carlos massari disse...

o começo me lembrou muito the wall. e a idéia do muro em si.
gostei!

adicionar-te-ei tambem.

Bonie disse...

Que lindo!

Também é muito bom ler você! E... eu acho que eu preciso que o principezinho arranje um coração pra mim também... =/

By the way, os dias lilás são mais bonitos que os laranjas =]

Beijãão!

Mia Ballantine disse...

Muito obrigada pelo seu comentário! Também adorei o seu blog!! :)
Beijos
Mia Ballantine.

disse...

Olha só... que texto mais bonito, sensível e delicado. Mto bom, moça. Mesmo. Vou te adicionar nos meus blogs-amigos tbm. Bjs.

Thaís Dourado disse...

Tu portas uma grande sensibilidade, garota. Tua meiguice ao escrever deixa tudo tão sutil.
Lindo texto, cheio de cuidado.
:)

Luara Quaresma disse...

[ironia]Alguém me empresta um coração?[/ironia]

Padma Norbu disse...

Até o dia em que o princepizinho achar uma diversão mais interessante!

hahahahaha

Esse mundo é cruel...

Padma Norbu disse...

ps: Você tb me inspira muito... minha única leitora!

=)

Luara Quaresma disse...

Herr Schreiber disse...
Até o dia em que o princepizinho achar uma diversão mais interessante!



É por essas e outras que te venero :D
HAHA

Maquinaria de Linguagem disse...

Obrigado por ter aparecido lá..eu ando sempre aqui. Só agora consegui postar e gostei dessa coisa do amor começar de quase nada, do Nada e morrer de quase tudo, do Tudo. Do excesso. Um dia amei assim. Morreu de todas as coisas acumuladas. Precisamos aprender a lidar, manusear a alma, os sentimento para que o excesso não nos sufoque e termine como tudo começou. Estamos só, bailarina. Estamos só, escritora mas apostamos naquilo que ainda não conhecemos. Vou colocar seu blog como link no Maquinaria. Não sei de onde você escreve, mas respiramos quase todas as impressões. Quase. Beijo

Ana Sanson disse...

Amei lluly *-* :D

Luara Quaresma disse...

Eu escrevo do vazio.

Lara Monique disse...

Esse texto foi sensacional!!!
Me emocionei muito!!Porque eu mesma já construí um muro ao redor de mim....

A história é doce e frágil...Alegre e triste ao mesmo tempo!!

Meus parabéns, Luara!!Você é uma grande escritora!!

Lara M disse...

Texto maravilhoso!!Tão doce e tão frágil...Quase palpável!!

Me emocionou muito!!

Meus parabéns, Luara!!Você é uma grande escritora!!