31 julho, 2008

Interurbano

Caminho pela casa, quase como uma paranóia, como se estivesse fugindo de mim. Encontro-me em um labirinto coberto por um tapete de gelo, onde pateticamente derrapo entre a sala e meu quarto. Sigo até a cozinha, como se fosse encontrar as respostas dentro da geladeira ou algum alívio instantâneo num pacote qualquer da dispensa. Bebo água, mas ela não me mata a sede. A sede do desespero. Sustento essa postura fracassada, porque nem ao menos tenho força de olhar para fora da janela.
Uma ligeira impressão. Parece que quando simplifica, quando se iguala e humaniza, quando já prefere ficar a sair; meu gostar se torna tão incapaz!
Vou amontoando os segundos e encarando o relógio. Perto de mim o Leão Covarde do Mágico de Oz se torna uma espécie de exterminador do futuro fundido com Chuck Norris.

As pessoas ainda existem por aqui, mas me acostumei a ignorá-los e eles acabaram desistindo de mim. Acha que é assim com todos nossos sonhos e pesadelos? Tem que alimentá-los para ficarem vivos? – estou realmente apavorada que a idade leve junto com ela todo o escárnio que em mim habita.
Tento não pensar, volto pro quarto pego meus fones de ouvido, volume máximo do play. A música me lembra ele, maldita a seja. Mas, algo me impede de passar para a próxima. Eu sou tão sacana que sacaneio a mim mesma. Não adiantou, ela não me ajudou a parar de pensar. Joguei-me no chão, me sinto dentro de um clipe de Enrique Iglesias. Tento tirar proveito dessa situação, mas já se esgotou, não consigo mais. O celular está em minhas mãos. Espero ele tocar. Espero ele me ligar.
Sempre dói mais ter algo e perdê-lo do que não ter aquilo desde o começo. Pratico infinitas vezes o discurso que planejei para tentar convencê-lo a me deixar. Embora, quem eu esteja tentando convencer é a mim mesma. Quero que ele me ligue, e quando eu atender vou dizer algo do tipo “por que você ligou?” – por favor, me de um tiro bem no meio da minha testa -, quando ele perguntar como eu estou, vou esganiçar a voz e perguntar o que ele quer de mim.
Talvez depois da milésima segunda tentativa de dizer para ele me deixar ele vai só escutar minha respiração, esperar e dizer: “só te deixo se você disser que não quer me ver, só se você não quiser”. Nessas horas costumo responder com o silêncio, mas sou covarde o suficiente para não dizer com todas as letras: EU NÃO QUERO. Porque, eu realmente não quero, inferno!

Já estou largada no chão. “Não pode acabar assim, não admito, não quero!” – sinto que se eu estivesse na frente dele agora, ele tentaria me convencer de outro jeito. Fecho os olhos, por que não tentar? -, todavia ele não se encontra aqui, ele não esta aqui. Isso predomina. O que pode acabar? Nada começou. Respondo tentando não me enxergar: “Não me importo”. Ele estava esperando por isso, preciso melhorar minhas frases feitas. “Não importa parece ser seu lema”, ele age como se me conhecesse. E me sinto culpada. Ele só age assim porque de alguma maneira eu soltei, eu cedi, eu deixei que chegasse até aqui. Foi descuido, não tenho justificativa, me responsabilizo. Errei, há tempos não cometia isso, mas dessa vez de alguma maneira ele conseguiu escalar esse muro, ele quer pular. Eu não posso deixar. Do outro lado só tem espaço para mim.
Respondo em prestações, “É, uma ideologia”. Está pra nascer o cara que vai me colocar num beco sem saída, tenho argumentos o suficiente para fazer ele me abandonar, se isso acontecer agora não será pior depois, prefiro antecipar o drama antes que ele se torne mais um número na minha lista de fracassos e decepções. Ele suspira, tenho a impressão que um sorriso torto também surgiu em seu rosto, mas tenho certeza que o olhar permanece o mesmo, “Que surgiu por causa de...”
Admito. Tudo bem. Tudo bem. Não quero que ele desligue. Embora esteja me provocando, ainda quero ficar aqui. Só por mais um instante. Despejo minha sinceridade tão afiada, “Instinto de sobrevivência. A questão é que sou um cadáver ambulante – prendo a respiração -, meu corpo ainda funciona – solto o ar como se estivesse deixando meu corpo -, mas meu coração está morto”.
Se você não tem a solução, você tem que agüentar. E meu amigo, eu agüento. Sou quase o Batman. A dor pode ser uma arma se você escolher assim... E acredite quando digo que sendo assim sou uma bomba, você não irá querer discordar comigo. Ele sempre soube o que dizer como dizer. Sua pretensão é um charme, mas é sua intensidade me fascina, “Por isso eu quero te ajudar. Eu não sou como os outros, não vou te fazer sofrer. Porque se você não se importasse com as coisas não iria sofrer.”. Golpe baixo. Ele está ficando bom. “Talvez eu sofra por não me importar.” – caprichei no meu tom agora, mas acho que acabou saindo mais como uma pergunta -, ás vezes ele consegue me deixar tonta. “Ou talvez se importe demais.”, ele acha que ganhou essa.

Não vou dizer que sinto a falta dele, nem soltar algo como ‘gosto de voce, gosto mesmo’. Não me seguro.
Dizer a verdade é o que nos diferencia dos demais animais. Não posso prometer nada a ele, estamos longe. Muito longe. Ao mesmo tempo tão perto, ao mesmo tempo tão distante. Chegou à hora de escolhermos entre o que é certo e o que é fácil. É fácil deixar você me abandonar. É fácil eu me enganar, é fácil fingir que aceito essa condição. É fácil não te esquecer. É fácil eu não deixar voce não se aproximar mais. É fácil eu desligar o telefone.
Vou até a cozinha, beber água. Perco-me no caminho da volta, sou vários caminhos, inclusive o fatal beco-sem-saída. As pessoas mais difíceis de serem amadas, normalmente são as que mais precisam de amor. “Por favor, por favor. Me liga de novo.”

23 julho, 2008

Temporariamente Morta

Despenco no vácuo de mim e me desespero. Sendo assim só morrer as vezes me acalma.




Nada de flores de plástico, por favor.

14 julho, 2008

Perder-te de novo

Não quero escrever uma história de amor, e sim sobre o amor.
Aborte este começo, não vou escrever história nenhuma. Não quero escrever história sobre o amor, caramba!
É inevitável.

Cada dia me surpreendo mais com o tempo que sou capaz de esperar, não aprendi a viver ainda. Desesperada. É tão forte essa sua ausência, saber que irei sem você. Tentar crer em nós dois. Mover o mundo para te recuperar, enquanto o céu está entre nós. Eu sinto uma confusão, acho que só preciso sentar. Basta abrir os olhos para te perder de novo.
Eu coleciono algumas canções, e assim tento descobrir até onde vai o eterno, como se essa ilusão fosse o motivo de eu existir. O destino escorrega pelas minhas mãos. Diga-me o que fazer. Só me diga!
Minhas emoções são para você. Eu tento me transformar em alguém melhor e continuar. Não que eu não acredite em nada, só não acredito em tudo. E acho que talvez isso me prive de estar contigo. Na verdade, você foi. Eu fiquei. E esta é a verdadeira solidão.

Agora eu sei, não tenho duvidas que você seria tudo o que eu pedi. O que em meus sonhos eu buscava e que em você eu descobri. Mas, foi tarde demais. Arrancaram-me de ti, não deu tempo. Não deu. Cada vez que me viro pro passado percebo que meu lugar é ao teu lado. Por que você teve que ir?
Você foi capaz de preencher cada parte do meu ser, você é tudo que minha alma vazia precisava sentir. Dizem que pra amar não se tem idade, a gente não se importava com isso. O ‘eu te amo’ era possível sentir no olhar. Dizem que as crianças amam com uma força muito maior. Nosso amor era mais forte que tudo, e mesmo assim ele não foi capaz de te salvar. Eu não acredito nele. Porque nem foi capaz de me dar esperanças. Você foi cedo demais, muito cedo.
Eu já não tenho mais coração. Minha única duvida é o porquê de você não poder estar aqui comigo agora. Saudade. Sei que me lugar é junto de você.
Tudo mudou. Tudo está igual. Meu olhar se converteu, foi tão fácil te entregar minhas mãos. O destino não sabia, e te tirou de mim. Não é possível que você não acorde com o barulho infernal de cada estrela que explode. Já se foi à época em que eu me importava com explicações. Eu tenho aquilo que você chama de "vazio".

Já matei todo esse drama, só queria que você soubesse que esse é meu último pedido. Antes de ir embora e seguir o meu caminho queria poder voltar naquele dia que foi o ultimo que meus olhos te viram, e te abraçar. Quando eu me dei conta de tudo que eu sentia, me disseram que assim seria melhor. Não sei se onde você está agora pode sentir tudo isso que eu transbordo. Não sei se você poderá ler isso. Sei que o correio não chega ate aí, a altitude não permite. Maldita física moderna. Eu estou te esperando ou logo estarei indo. É meu ultimo pedido. Tenha certeza que quando me perguntarem o que eu mais gostei daqui, direi que foi de você.

11 julho, 2008

Entrevista com Clarice

No programa de hoje iremos conversar com Clarice Lispector, a grande escritora e poeta, que nos proporcionou uma vasta coleção de intensos pensamentos.

Luara - Tenho que confessar que estou realmente honrada e extremamente lisonjeada com a presença da senhora em meu programa essa noite. Sou uma grande fã sua.
Clarice – “Divertir os outros, um dos modos mais emocionantes de existir”.

L - Como você definiria a mulher Clarice Lispector?
C - '‘... Sou como você me vê... Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, Depende de quando e como você me vê passar... ''

L – Mas, quem realmente é você?
C – (risos) “É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo."

L – E por que você escreve?
C – “Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse sempre à novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.” – “Escrevo para me manter viva.”

L – Por que essa certeza?
C – “Talvez a pergunta vazia fosse apenas para que um dia alguém não viesse a dizer que ela nem ao menos havia perguntado. Por falta de quem lhe respondesse ela mesma parecia se ter respondido: é assim porque é assim”.

L – Como é para você esse misterioso ato de escrever?
C - "Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro...”.

L - E sobre a solidão, que é tão presente em suas palavras?
C – “Minha força está na solidão.”.

L – E ela não te incomoda?
C – “
E ninguém é eu, e ninguém é você. Esta é a solidão”.

L – A partir disto surge seu silêncio?
C – “Há um silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras”.

L - E o amor?
C- “Quando se ama não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós...”.

L – Sobre a saudade?
C – “Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida...”

L – Você pode definir o quanto a sente?
C – “Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la”.

L – Como a Clarice de hoje vê a Clarice aos 15 anos?
C – “O que obviamente não presta sempre me interessou muito”. – “E se me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar”.

L – E a Clarice de hoje?
C – “Com todo perdão da palavra, eu sou um mistério para mim”.

L – Você acredita em Deus?
C – “Eu já começara a adivinhar que Ele me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.”

L - Apesar desse sofrimento você foi feliz?
C-
"E umas das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi criadora de minha própria vida".

L – Suas palavras são músicas sem melodias. Fale um pouco do seu método de trabalho.
C – “É preciso coragem. Uma coragem danada. Muita coragem é o que eu preciso. Sinto-me tão desamparada, preciso tanto de proteção... Porque parece que sou portadora de uma coisa muito pesada. Sei lá porque escrevo! Que fatalidade é esta?”.

L – Você define sua profissão como vocação ou talento?
C – “Vocação é diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento, isto é, pode-se ser chamado e não saber como ir”.

L – Você se interessa pela reação que seus livros provocam nos leitores?
C – “Eu fico muito contente quando as pessoas chegam perto de mim e dizem que me entenderam. Ainda que seja uma compreensão que não se possa ser expressa por palavras. Mas que seja aquilo que eu chamo de compreensão por osmose, que passa de pele pra pele”.

L – E é difícil entende-la?
C – “Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato, a questão é... Ou toca, ou não toca”.

L – Muitos escritores da nova geração a vêem como inspiração. O que pensa sobre isso?
C – "
A palavra é o meu domínio sobre o mundo."

L – Já faz 31 anos que você nos deixou. O que é a morte para você?
C – “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome”.

L – Você se arrepende de algo que fez ou deixou de fazer em vida?
C – “Estava permanentemente ocupada em querer e não querer ser o que eu era, não me decidia por qual de mim, toda é que não podia ser; ter nascido era cheio de erros a corrigir. Só tinha tempo de crescer. O que eu fazia para todos os lados, com uma falta de graça que mais parecia o resultado de um erro de cálculo. Na minha pressa eu crescia sem saber pra onde”.

L - Agradeço sua presença aqui hoje, que fique aqui minha total admiração por você. Realmente nem acredito que foi possível conseguir a liberação do ‘Todo Poderoso’ para você poder dar a entrevista.
C – “Ela acreditava em anjos, e por ela acreditar eles existiam”.

L – Ficamos por aqui, e quem sabe no próximo programa Dercy Gonçalves será nossa convidada, isso se ela não me interrar primeiro.

*Aplausos*

09 julho, 2008

Senta aqui

Quando me pego a observar o marasmo, noto que não é o meu passado que me condena, visto que ele é o responsável por alguns de meus sacrilégios de nostalgia. O que realmente está prestes a armar uma sentença para mim é o presente. Maldito o seja. Minha sinceridade me aniquila. Cometo constantemente suicídios emocionais, eu desperdiço minha vida. Eu deito na minha cama e imagino tudo o que pode acontecer, enquanto não toco de verdade na vida para não cansar demais e depois não ter forças para viver a verdade. E qual é a verdade? A desgraçada se disfarça, eu não tenho dificuldade de enxergar o obvio – tudo bem que nasci meio míope, mas é um charme natural, ué.

Encontro-me em um caminho errado, uma estrada de mão única. Me diz o que é sossego que eu te mostro alguém afim de te acompanhar...Prometo não conversar, creio que você irá se habituar com meu silencio e com minhas frases mal acabadas, não que eu não seja capaz de conversar, apenas não quero ter que te contar o que sou. Considerando as circunstâncias, vou precisar de mais do
que estar só bem certa. Está bem, vou estar bem certa pra valer!

Existe até quem me ache legal, mas na verdade eu sou insuportável. Tenho hábitos e manias que certamente as pessoas só agüentam por delicadeza ou amor. Sofro de tênue transtorno bipolar; isto significa que alterno ocasiões de histérica suposta alegria com depressões inexoráveis (o que, na Idade Média, costumava-se chamar carinhosamente de possessão demoníaca). Defendo teses estapafúrdias, considero qualquer coisa que eu goste a melhor do mundo, qualquer coisa que não goste a pior e procuro, a todo custo, fazer com que os outros tenham a mesma opinião. Eu estou certa e você errado e ponto. Sou uma espécie de acionista majoritária da verdade e da razão. Como se não bastasse, acordo de madrugada para preparar sanduíches e conseqüentemente, acabo esquecendo as luzes acesas ou produzindo ruídos incompatíveis com o horário. Falo muito palavrão e o "foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor – nunca gostei de intelectuais que não soubesse xingar. Sou considerada um mau-exemplo e isso me excita.

Não tenho talento algum, embora o eu viva abraçada ao caos e brigue por conseqüências, é divertido o espanto que causo nas pessoas, eu sou quase uma aberração sentimental, vivo da patologia interior. Sei que tem muitas evidencias que comprovam o quanto deixei estar, eu não me importo. A minha relação com o mundo é um fracasso e isso me diverte. Meu único desespero é meu relacionamento com o tempo. Pessoas costumam me causar sono. Sou uma covarde, muito covarde. Embora ninguém consiga por algemas em mim, só me resta esperar o julgamento. Sente aqui e espere comigo. Não que sua companhia me agrade, eu só preciso de alguém pra pôr a culpa.

Inocente, até que se prove o contrário. Ou não.



07 julho, 2008

Geladeira

Aprendi a ler e escrever cedo, bem mais cedo que as outras crianças da minha idade, e isso me proporcionou algumas passagens para outros lugares, lugares que eu fui e voltei, lugares que eu fazia as regras, que eu comandava que eu amava. Lugares que nunca conheci, distancia e saudade de coisas que nunca senti. Eram só palavras, palavras que nem minhas eram. Só palavras. Eu fui jogada aqui, pouca coisa chama minha atenção, pra que usar tanta educação? Busco sempre por cores ainda sem nome. Eu tenho mágoas, muita mágoas. Eu tenho armas, armas que matam. Eu sempre tenho escolhas, poso usá-las ou só ameaçar. Greve de fome nunca adiantou.
Se me lembro bem tudo era motivo pra escrever, contar algo em parágrafos e me manter humana e normal ao usar as palavras – nunca entendi o que isso de fato quis dizer -, meus primeiros rascunhos eram bilhetes que eu pendurava na geladeira, coisas do tipo: ‘mãe me acorde as 8, quero ver A caverna do Dragão!’, ‘pai, quero dinheiro para merenda’; e assim por diante. Sempre achei mais inteligente escrever do que dizer; é como se a escrita tivesse realmente poder, poder de transformar as coisas, talvez as pessoas. Somos livres para escolher nossas ações, mas prisioneiros de nossas conseqüências. Depois descobri que podia inventar histórias, meu Deus! Isso me deixava presa em mim. Quanta historia inventei, escrevi, sonhei. Acho que me refugiar nesse mundo realmente salvou minha infância, só não sei em que momento da minha existência eu a perdi. Talvez pelo fato de ser poeta e não aprender a amar. Eu não sou poeta, eu não sei amar. Mas, ainda estou viva. Desespero. Cansei. Vou-me embora desse lugar para um onde não haja pessoas como você.

Eu já estou farta de mudar as coisas de lugar, olhar pra fora e buscar tempo, buscar ar. Escrever foi a única forma que encontrei pra sobreviver. Os fatos me repartiram em antes e depois. Lembro de tudo aquilo que sou e agradeço por ser um ser que não perdeu o dom de se encantar com as maravilhas pequenas. Talvez deva culpar as palavras. Aprendi que enquanto escrever vou me encontrar sã, a minha maneira de ver as coisas e de não ver. De sentir e fingir. Escrevendo eu sempre vou me encontrar respirando, eu vou estar sempre intacta. Porque eu já me decidi: eu quero morrer jovem ou viver para sempre! – eu estou ficando cada vez mais dramática; preciso pagar a conta do analista -, e pra escrever você não precisar ter algo para contar, eu não tenho nada para sentir, não tenho sentimentos porque não tenho tempo para filosofar a arte do amor. Isso pra mim não existe, nunca existiu, mas talvez um dia exista. Não sinto nada por ninguém, sou o desprezo vivendo dentro de um corpo vazio. Não choro porque não quero me integrar nessa falsidade unânime de expressar dores que não existem. Não quero parecer cética nem tão pouco ignorante, só quero fazê-los entender que não sou o modelo de ser humano que você está acostumado a encontrar no meu rosto. Sou apenas o que a vida fez de mim: carne, ossos, palavras e nada mais. Quase uma geladeira.