02 setembro, 2008

Alternativa D

A sala era clara e gelada. As cadeiras azuis. Entrei e já sabia bem onde ia sentar. Na parede, quarta classe. Sabia exatamente o que esta fazendo ali, estava mais fria que o normal, nada que declarasse o quanto me importo em me destacar agora.
Existem mais pessoas além de mim, sempre quando reparo a atmosfera em que me encontro, imagino o que cada um que se está ali pensa. Talvez meu silêncio esbarre com alguém, só como de costume.
Não quero mais que todo mundo tentando adivinhar o que sinto, o que vivo e quem sou.

Entregaram a prova. Pego a caneta, brinco de inventar uma assinatura. Do meu lado direito, quinta classe, está sentado um garoto. Ele parece intimidar o resto da turma, menos eu. Ele trouxe uma caneta e um pacote de tridente de hortelã. Se não tivesse cansada de tudo, teria certeza que ele fazia barquinhos de papel com as embalagens do chicle. Eu podia sentir ele, e escutava um grito, algo como: ‘eu falhei em tudo!’, vinha dele. Talvez, ele ache que não mereça a oportunidade de responder essas questões, talvez ele viva como um condenado, como se já tivesse aceitado sua sentença. Injusta e covarde. Mas, ele olha pras mãos com expressões que dizem, ‘eu sei que mereço isso’.

Encaro a prova em cima da minha mesa. Estou preparada, começo a ler. De aparência nada me amedronta, subestimar as coisas é um dos meus maiores e mais frustrantes defeitos. Eu cuido a hora.
Volto pro garoto, tive a impressão que ele esta lendo a prova. Volto para minha prova. Uma garota da outra fila me chama a atenção, pude perceber que a dele também. Enrolado na mão, ela usava um terço, sobre a mesa uma imagem de santa e perto da garrafinha d’agua estava santo Expedito. Flagrei o sorriso torto do garoto enquanto analisava a menina. Ele inocentemente olhou para cima, posso apostar que estava verificando o que já sabia: estamos sozinhos e Deus não passa cola.

Comecei a redação, fiquei satisfeita pelo tema proposto ser algo que eu tenho facilidade, mas isso não quer dizer que minhas palavras no papel vão se comportar. Então, só escrevo. O garoto também escrevia e por alguns momentos ele me pareceu disposto, escrevia com uma segurança e uma delicadeza. Gostaria de saber o que ele estava dizendo no papel.
Talvez depois da prova eu pudesse esperar por ele no corredor, talvez pudesse dizer algo como: ‘eu sei bem o que você esta sentindo’ ou ‘que grande merda é tudo isso, você não acha?’

Escrevo tudo, trocando as pessoas. Mas, elas sempre me entendem. Ou não. E com isso me justifico, e uso como desculpas. Estar aqui é importante para mim, e ser intelectual é muito diferente de ser inteligente. Eu sei que vou conseguir, porque é o que quero. Pelo menos, morrerei tentando.
Falta pouco pra terminar o tempo que nos é concedido. Sobre minha mesa há vestígios de borrachas e pensamentos. Irei para o inferno por escrever pensamentos nas classes? Ok, não me responda.
Sobre a mesa do garoto está só ele. A prova e a caneta não têm mais nenhum significado. Acabei minha prova, poucos restaram na sala. E me pergunto por que ele está entre esse resto. Ele levantou, se aproximou do fiscal e entregou o gabarito. Mas, a redação não. Apesar de ele ter um charme escondido, não entendi o que ele realmente queria. Afinal, era inevitável reparar que pelo menos uns três anos nos diferenciavam. Ele era um adulto. Um frágil e estúpido adulto. E isso não seria uma atitude sensata. Por que é isso que se espera de um adulto. Ou não.
Ele saiu porta fora. Eu entreguei a minha. Eu saí. Parei entre o corredor, ele estava no outro pólo. Num movimento planejado e harmonioso ele amassa a folha de redação e joga no lixo. Por alguns segundo achei que talvez o conhecesse. Mais do que qualquer coisa. Ele desceu as escadas e sumiu. Eu fiquei ali - tem gente estranha por debaixo do mundo.
Depois do efeito mortificado de minhas pernas ter cessado, fui em direção a lixeira. Peguei a redação, e nela só tinha uma frase escrita: Talvez ano que vem!

9 comentários :

Thaís Dourado disse...

Na dúvida eu sempre marco a "b".
:)

carolina bertelli disse...

só de pensar em provas, já sinto um desespero.
mas só de pensar em desconhecidos que podem ser interessantes, já me sinto excitada. não no sentido pejorativo, claro.

você sabe posicionar as palavras do jeito certo...

carolina bertelli disse...

engraçado, eu também sempre chuto b!

Luara Quaresma disse...

Eu sempre chuto a errada.

Carolina disse...

a-do-ro as tuas escritas. Muito bom!
bjos

Anônimo disse...

narrativa envolvente, que vai permeando doses perfeitas de realidade com ficção em escrita muito bem definida. teus textos aão densos e têm o essencial: uma história aparente e o subtexto. excelente. meu abraço.

Tiagho Diniz. disse...

Por que a pele sempre faz lembrar aquilo que você já tocou e não tem como repetir o tato.

Henrique Monteiro Alive disse...

Lluly, eu gostei bastante desse. Haha, eu faria a mesma coisa, de ir pegar a redação. Curiosidade é meu defeito.

Ah, e a cada "ou não" escrito aqui, eu imaginei aquele emoticon que a gente usa no msn. Haha, tu pode imaginar que isso fez um texto ter mais efeito pra mim.

Beijos.

Ana Sanson disse...

AMEI o texto :B
guria, er, tu me bloqueou no orkut? enfim, não consigo te mandar recados... http://www.orkut.com.br/Main#AlbumZoom.aspx?uid=5075202131854058936&pid=1220833489046&aid=1215269634$pid=1220833489046


NÃO CONSIGO PARAR DE RIR, COM o que eu e tu falamo ali!
HUDFIOHDFSIUDHFSUIDFSH


era isso que eu ia te mandar :~