30 junho, 2008

Na fila

Baseado em fatos reais.

Mais uma sombra no chão. Definitivamente mais uma sombra. Eu sinto que pelo menos tenho que me defender. Ando pelas ruas - Na verdade, me economizo. Paro numa fila de cinema. Eu tenho que lembrar a mim mesma que não sou a bandida aqui. Aparentemente muita coisa esta me perturbando, mas essas pessoas que estão na minha frente atrás de mim nessa fila estão me deixando tonta. “Calma é o cacete”, resmungo entre os dentes. Cruzo os braços e fico na fila do cinema esperando a minha vez. Apegue-se ao que é espiritualmente superior sem fazer caso do que as outras pessoas pensem ou façam. Mantenha-se fiel ás suas verdadeiras aspirações, não importa o que esteja acontecendo em torno de você. Eu vou sobreviver a essa fila, vou ver o filme e voltar pro meu quarto. Só que não parecia estar funcionando. Bem, depois de eu tentar ficar na minha, fazer algumas listas bobas – do tipo: quantas pessoas usam vermelho na fila; quantas mulheres usam salto e coisa e tal -, eu realmente estava irritada com a demora. Eu disse a mim mesma 'Estou bem' e mostrei o meu sorriso habitual eu não me senti em desespero, mas em um tipo de desafio, eu escondi a minha mão tremula, porque a simpatia deles era tão irreal. É o primeiro e o último tempo para você viver por você mesmo, você deveria desenhar o seu próprio caminho após analisar um grande mapa. Pessoas. Decidi, enquanto a fila andava, que teria que me tornar mais sociável, afinal alguém vai sentar do meu lado enquanto o filme estiver rodando. Ok, eu vou ficar na minha. Não fuzilarei ninguém com minha metralhadora de mágoas. Ser simpática com gente errada causa danos irreversíveis em minha mente. Então, na verdade é só uma autodefesa. Odeio ser eu a lhe dizer, mas pessoas me dão nojo.

Finalmente chegou minha vez na bilheteria. ‘Quantas?’, a mulher teve a cara de pau de me perguntar quantas? É. Quantas? Só pode ser uma daquelas velhas mau comidas que fazem apostas na mesinha de bilhar, sim. Apostas do tipo: quem tortura mais garotas, perguntando quantas entradas ela quer para o cinema, enquanto esta estampada na cara dela que ela esta sozinha. Ela é sozinha. Ok, se não for aposta e ela não participar de nenhuma seita macabra, creio que seja só superação pessoal. Ela deve ter uma meta, contar quantas garotas fracassadas entram pela aquela porta totalmente sozinhas. ‘Uma’, respondi. - Apenas podemos falar de sensações nas percepções se as considerarmos em si mesmas, sem considerar o que significam.

Comprei uma Coca e alguns chocolates – são meus fies companheiros, nunca interrompem o filme para fazer xixi ou fazem algum comentário do tipo: ‘Noooossa, você viu aquilo?!’-, só achei estranho uma coisa, o fato das demais pessoas que me acompanhavam na fila estarem indo para a outra sala do cinema, ou seja, só eu que preferi ver ‘Tubarões Assassinos’? Tudo bem que filmes desse tipo costumam ter fãs violentos, mas trocar Tubarões por um romance qualquer é no mínimo tedioso e de mau gosto. Nossos pensamentos são as sombras de nossos sentimentos - sempre mais obscuros, mais vazios, mais simples que estes. Entrei na sala e realmente só havia ali mais dois garotos, que creio eu fugiram de casa para ver o filme. Só não sei como conseguiram entrar. Eu sentei. Podia escolher cerca de 60 poltronas. Qualquer uma. Sentei bem no meio. Nem tão na frente, nem tão no fundo. Mas, se por acaso houvesse algum acidente a espera de acontecer estava perto da saída de emergência. Afinal, o filme é de tubarões assassinos. O filme começou.

Sinto-me vazia. Tão vazia quanto esta sala de cinema. Eu tenho tudo, mas sinto como se não possuísse nada. Talvez seja a falta de valor que eu deveria dar as coisas. Talvez seja apenas impressão. Não importa. Eu estava sentindo um vazio. Um vazio tão familiar que chegava a ser incômodo. Apenas uma vez eu senti isso. Uma vez foi o suficiente para sentir todo o chão desabando aos meus pés, antes mesmo que eu aprendesse a voar. Agora que eu aprendi, acho injusto sentir o mesmo vazio de antes. Eu tenho tudo. Tudo que necessito, pelo menos eu penso que tenho. O que falta, então?! Se eu soubesse a resposta, não estaria me perguntando. Vocês vão aprender que nesta vida não se pode mais errar. Vão descobrir que entre as estrelas e o chão existe o mar. E aí então a euforia, um belo dia, vai passar e cairá sobre seu mundo, num segundo, a traição. E naquele momento a sala vazia do cinema se abriu. Estava tão concentrada em meus pensamentos que não fui capaz de perceber. Estava cega, surda e muda durante meus delírios. E então, repentinamente, fui interrompida de meus pensamentos com um "Posso me sentar ao seu lado?". Um rapaz tão encantador quanto seus olhos azuis estava parado ao meu lado, segurando um pacote de pipocas e lançando a mim um sorriso tão doce quanto sua voz. A sala de cinema não estava mais vazia. E, bem, nem eu. Porém, não tinha me dado conta disso. Respondi com a diferença, a cena de um tubarão estar definhando um marujo muito do estranho veio em boa hora, com cerca de 60 poltronas ali, por que ele escolheu justo a vazia que estava do meu lado? Isso provocou uma reação. É. Minha indiferença provocou uma reação. Ele simplesmente sentou. Não que meu coração bateu forte quando sua mão encostou de leve o meu braço que estava apoiado no braço da poltrona, o que acontece é que eu estava com frio. É. Faz frio em maio aqui onde eu moro. E também esse garoto não tem noção de divisas de território? Aquele espaço era meu por direito. Meu território. As cores dele eram lindas, digo ele cheirava bem também. O garoto não o braço da poltrona. Eu não estou nervosa. É que quando eu estou nervosa costumo a falar demais, não que ele ou a situação me deixem nervosa. Ok. Melhor eu parar de falar. Já tenho escrito que o meu silêncio é feito de gritos abafados. Mas a vida é apenas um arrendamento provisório - um parêntese entre dois insondáveis infinitos.

Ele escuta minha respiração, eu finjo não notar. Brinco com os canudinhos na Coca talvez esse barulho irrite ele, e faça-o sentar em outro lugar. Ele fingiu nem notar. O que infelizmente ele provou, estendendo o pacote de pipoca para mim. ‘Não, obrigada.’ Tentei colocar um pouco a mais de acidez no meu tom de voz, ele precisar saber quem manda aqui. – Ele só me olhou.

...- Não o quê?
- Não quero sua pipoca e me incomoda você sentar aqui. – pronto, falei.
Por outro lado, não podia deixar de suspeitar que ele estivesse esperando por isso.

- Tudo bem, se sente em outro lugar então.
O quê? – perguntei irritada, com a voz mais esganiçada que nunca.
– Psiiiiiiiiiiiiiiiiiiu! – os dois garotos lá da frente pedindo silêncio.
-
Você não pode estar falando sério, cara! – esbravejei em tom baixo.
Bem. Só porque você tecnicamente chegou aqui primeiro não quer dizer que eu tenha que sair. – ele meio que riu -, os incomodados que se retirem.

A verdade é que ele esta certo. Merda! Ele não sairia dali, e nem eu. Menos provável ainda, assim seria como se ele tivesse ganhado. Certo, vou admitir. Entrei em pânico. Não sabia o que dizer, é. Não disse nada. Ficamos o resto do filme concentrados na tela, eu mal respirava. O filme acabou. Graças a Deus. Poderia ir para qualquer lado. Levantei, peguei minha bolsa e sai. Quando cheguei na saída percebi que havia esfriado. Eu deveria estar acostuma com essa mudança de clima. Lembrei que havia deixado o meu bolerinho lá dentro da sala. Antes que eu pudesse dar a volta o mesmo garoto dos olhos azuis e da pipoca estava estendendo um pedaço de tecido na minha direção. Às vezes é, às vezes não, e é simples assim!

- Você esqueceu lá dentro – disse ele.
Aham, já estava indo buscar. – falei.
- Você está sempre indo de um lado para outro, você não pára, mas afinal, do que você está fugindo? - perguntou ele. Riu - seja o que for essa coisa da qual você está fugindo, acho que ela não vai te alcançar nunca.
- Cale a boca! Você não me conhece .. - sibilei com os dentes trincados - Saia de perto de mim! - E eu lhe dirigi a maior frase que já havia dito em toda a minha vida. - Agora. - Completei.

18 comentários :

Willian disse...

As vezes um pouco de "tudo bem, fique a vontade" faz bem a qualquer pessoa...mesmo àquelas tipo você...rsss


E lá fora continou fazendo frio?

Willian disse...

Calvin???


Adoro mais que lazanha, mais que água e (essa agora é forte heim) mais que CHOCOLATE....
Muito foda a tirinha....
Gosto de Malfada também, mas Calvin é uma tirinha mais descontráida (mesmo sendo mo inteligente), nem sempre tô querendo refletir sobre "salvar o mundo"....
Tenho altas revistinha dos dois....


E quanto a ler enquanto estava editando, é pq uso um negócio chamado RSS (num sei vc manja, ele mostra as atualizações em sites que vc "assina", eu assinei o do seu site...dai quando vc atualizou apareceu na minha lista o seu texto....e quando fui comentar, ele já não estava mais lá...rsss)



Adoro seu blog, muito mesmo, como posso dizer, seu texto é "ramificado"
...pensa numa árvore...vc começa escrever no tronco...Olha quantas possibilidades heim????
Parabêns pelo(s) proximo(s)....já posso me atreveer a ser adinha com tamanha certeza que tenho que serã bons.

Willian disse...

Então...vc não queria (ou não podia, ou não deveria), mas já fiquei lisonjeado pelo elogio....


E por ler o seu texto mesmo antes mesmo de vc "escreve-lo" é um bom argumento pra reforçar que seus texto em qualque tempo são bons....no passado, no futuro ou de presente!!!

\o/



Tbm prefiro o frio....

Luara Quaresma disse...

Eu nunca quero, nunca posso, mas sempre deveria.

Thaís Dourado disse...

Muito bom teu texto.

carlos massari disse...

caralho, conheço pessoas que se identificariam MUITO com estes textos. hahaha.

valeu pela visita e pelo elogio!

teca disse...

Adoro ir no cinema sozinha e fikar viajando, sem ngm interrompendo seus pensamentos com comentários do tipo "olha esse sapato q ela tá usando q lindo" >.<

adorei o texto!
Parabéns ;)


beeeeijo

Anônimo disse...

teus textos são instigantes, remetem situações cotidianas a um plano de magnífica reflexão com um quê de ficção extremamente bem elaborada, bem conduzida, em narrativa que flui. belo texto. abraços.

Henrique Monteiro disse...

Talvez se você tivesse dado uma chance a ele, quem sabe apenas para uma conversa mais estendida, poderia se vingar da mulher mal comida da bilheteria, mostrando a ela quem estava de verdade sozinha...

Luara Quaresma disse...

Merda, voce é esperto henrique. Mas, eu covarde.

Willian disse...

=)

A reciproca é válida...

Você pode até achar uma lagoa, mas eu acho um tufão....

Anônimo disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkk
no começo quando li até a metade, pensei: "ué, fui eu quem escreveu isso????"
me identifiquei bastante, já fui sozinha pro cinema. salas vazias.
mas na segunda parte já me pareceu conto de fadas. fatos reais? então me traga a terceira parte, pelamordedeus, pq o rapaz de olhos azuis não pode ter saido assim da sua vida.
sim, ardilosas como uma autodefesa.. na verdade queremos mostrar q somos + importantes quanto imaginariam ;)
adorei!!!continua!!!

Anônimo disse...

outra... sua narrativa ficou espetacular... daqueles textos que grudam e fazem vc querer ler até o final. impressionante!
às gargalhadas.

Luara Quaresma disse...

A tragédia de hoje sempre sera o humor de amanha (:

Willian disse...

Então tive um idéia...
Na verdade uma sugestão-idéia...


Tava pensando...
Comentamos esses dias que escrevemos sempre as mesmas coisas de formas diferentes....

Eu leio bastante seu blog, vc já deve ter lido uns três textos meus....pelo menos

proponho....

Quero escrever algo novo...mas como vou escrever algo novo, se sou eu que escrevo...e assim sendo, vou escrever de acordo com o que sou...


que tal eu escrever um texto nos moldes que vc escreve (essa pertubação, inquietação, confusão)...pra vc posta no seu blog....

e vc escreve um texto para eu colocar no meu????


Fazer uma pequena troca, diversificamos assim...

Willian disse...

Então...não precisa de uma data...não quero eu forçar ninguem a escrever...sinta-se a vontade....


A gente pode escrever sobre o mesmo tema....


escolhe um e me fala


bjão!!!

Vanessa disse...

Oh linda, tava com saudade de vc!

Padma Norbu disse...

As aves voam e os peixes nadam !

=)